Mãe, compra pra mim?!

Nas oportunidades que temos em conversar com famílias a respeito de publicidade e consumo, percebemos que ela está duplamente vulnerável.

Primeiro, porque prevalece o desconhecimento dos seus direitos enquanto consumidoras, de que podem denunciar situações abusivas e mais, quando manifestam o desejo de denunciar, não conhecem os meios para fazê-lo e como proceder com os papéis necessários para isso (no site http://prioridadeabsoluta.org.br é possível encontrar a quem se dirigir e como).

Segundo, porque apesar de terem consciência de que a publicidade interfere nas escolhas que as crianças fazem, acham que é impossível  protegê-las desse assédio e, diante das inúmeras solicitações de compras dos filhos, muitas vezes, não sabem como agir.

Atento a essa demanda de pais e mães, o Grupo de Alfabetização Econômica e Educação para o Consumo – GAEEC, da Faculdade de Educação/Unicamp, realizou um projeto piloto com pais moradores em cidades da Região Metropolitana de Campinas e de uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais, com filhos matriculados em escolhas públicas e particulares. Essa investigaçao teve como objetivo recolher relatos empíricos sobre o estresse que as famílias vivenciam nas situações de compra e sobre como lidam com os inúmeros pedidos de “Compra para mim”, que ouvem dos filhos. Foram coletados 172 relatos de famílias, pertencentes ao nível socioeconômico baixo, médio e alto.

As respostas foram categorizadas, procurando responder a duas perguntas:

  1. O que os pais sentem nessas situações?
  2. Como os pais agem diante dos pedidos de compras dos filhos?

Em relação à primeira questão, o que os pais sentem, foram relatados os seguintes sentimentos:

  • Constrangimento, frente à embaraçosa situação que o filho lhes coloca;
  • Nervoso, quando não conseguem convencer o filho sobre o motivo de não poder comprar tudo;
  • Raiva, pela insistência do filho, chegando, em algumas ocasiões, a “perder a cabeça”;
  • Impotência e vergonha, não se vendo como bons pais, por não conseguirem atender aos pedidos;
  • Frustração, pois acreditam que é o seu dever atender aos pedidos e garantir uma vida boa e feliz;
  • Sentem medo de o filho ficar doente, por não ter o que deseja tanto;
  • Insegurança, pois se preocupam com o fato de o filho não ser aceito pelo grupo, por não possuir determinados bens;
  • Cansaço e desânimo diante da dificuldade de estabelecer limites e lutar contra os apelos publicitários;
  • Felicidade, pois acham que têm sorte do filho ser “bonzinho”, compreensivo e aceitar os argumentos.

Quanto à segunda questão, como lidam com a situação, as respostas revelam as seguintes estratégias utilizadas pelas famílias:

  • Conversam e procuram “entreter a criança” com outra coisa;
  • Cedem logo para evitar escândalos;
  • Tentam explicar que não podem comprar naquele momento, mas, se não é algo muito caro ou o preço é bom, acabam comprando;
  • Ficam nervosos e apelam para castigos e, às vezes, chegam a usar agressão física;
  • Trocam por algo de menor valor, caso o pedido envolva a compra de algo muito caro;
  • Negociam a compra para que ocorra em uma data especial ou condicionam a compra a bom comportamento ou boas notas na escola;
  • Utilizam crédito quando percebem que a criança quer muito: cartão de crédito e outras formas de compra a prazo;
  • Não levam as crianças às compras para evitar situações difíceis;
  • Conversam e antecipam o que vão fazer e aonde vão antes de sair de casa, ou seja, explicam que vão ao supermercado e que não haverá qualquer compra extra;
  • Orientam a elaboração de listas e a prática da poupança, ensinando a criança a priorizar e não esquecer que precisa alcançar seu sonho;
  • São firmes e explicam as razões pelas quais não podem comprar no momento e, se a criança continuar a insistir, mantêm sua posição.

Os resultados revelam que menos de 25% da amostra apresentam estratégias mais coerentes com uma educação para o consumo. Utilizam-se do diálogo, explicam o motivo; estabelecem limite e educam para uma prática racional e consciente do uso do dinheiro e de consumo.

Os resultados são preocupantes e, certamente, exigem maior investigação, no entanto nos apontam para a necessidade não apenas de ajudar as famílias a formarem um juízo crítico frente ao consumismo, mas, principalmente, a construírem instrumentos de resistência que apoiem os filhos a enfrentarem a sua relação com o consumo e com a publicidade.

Acreditamos que ações de resistência e de denúncia de publicidade nada inocente das empresas dirigidas às crianças, precisam ser exercidas por toda a sociedade. Defendemos que a família e as crianças necessitam de estratégias de resistência pessoal para resistirem à avalanche de situações sedutoras do marketing, a partir de uma educação para o consumo consciente realizada em parceria com as escolas.

Compartilhamos do desejo de que as crianças estejam livres da exposição excessiva ao consumo e, para tanto, defendemos que a regulamentação da publicidade deve ser uma realidade em nosso país. Nossos lares precisam estar protegidos do bombardeio mercadológico, que incita na criança o desejo por consumir bens e serviços como forma de alcançar uma vida boa e feliz e, consequentemente, afetando a construção de sua identidade e a relação com os pares e com sua família.

Há um longo caminho a percorrer nessa conscientização. E a escola, por ser a instituição mais próxima das crianças e das famílias, muito pode auxiliar nesse processo.


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