Brincadeiras de quintal

Trabalhar com Educação para o Consumo Consciente é importante. Mas como trabalhar com os pequenos de 2 e 3 anos?

Foi assim que me senti desafiada a olhar para o cotidiano dos meus pequenos alunos com mais atenção, para identificar quais eram as referências que estávamos lhes oferecendo, em relação ao tipo de brincadeiras, músicas, imagens, valores.

oferecendo, em relação ao tipo de brincadeiras, músicas, imagens, valores.
Nesse exercício de observação, me dei conta de que essas experiências constituem um tipo de consumo e, como tal, ensinam a criança. Daí a necessidade de possibilitar-lhes vivências que mobilizem a imaginação, a criatividade, a confiança, ao invés de simplesmente ensinar a repetição, a passividade, o individualismo e a dependência.

É preciso estarmos atentos porque, quando as crianças são bem pequenas, somos nós, pais e educadores, quem escolhe o que elas consomem. Ao fazer essas escolhas, estamos contribuindo para a construção de muitos dos hábitos, valores que levarão para a vida. Consciente da importância das experiências lúdicas para o desenvolvimento saudável das crianças, é que decidi mergulhar no brincar criativo como resposta ao brincar empobrecido e roteirizado que, muitas vezes, a mídia impõe.

Decisão ambiciosa, já que sabia que teria concorrentes de peso: Galinha Pintadinha, Patati Patatá, a Turma da Disney, sem esquecer os brinquedos eletrônicos, muitas vezes, associados à ideia de “educativos”.

Por brincar criativo, entendemos o brinquedo ou brincadeira que possibilita à criança explorar, inventar, enfrentar desafios, se sentir protagonista da própria aprendizagem.

Queríamos resgatar brincadeiras tradicionais, brincadeiras da época dos pais, dos avós, como forma de oportunizar às crianças momentos de convivência saudável, criativa e construtiva e, acima de tudo, conscientizar a família sobre os apelos do consumismo.

Acreditamos que o brincar é o melhor alimento para o desenvolvimento da criança, pois ela atribui sentido ao seu mundo, se apropria de conhecimentos que a ajudarão a agir sobre o meio em que se encontra, reconhecendo na cultura brasileira parte de sua história, memória e identidade.

Colocamos em cena uma bola gigante de ginástica, como objeto disparador das atividades. No primeiro momento, as crianças se entusiasmaram, exploraram. Por ser grande, alguns alunos se deitaram sobre a bola, rolaram, outros sentiram um pouco de medo, mas logo foram se familiarizando, se aproximando e, juntos, a brincadeira ficou mais divertida.

Várias outras bolas, com cores e tamanhos variados, vieram para a sala. Cores, formas, tamanhos, equilíbrio, colaboração, movimento, sons, foram alguns dos conteúdos explorados.

Acompanhar a riqueza desses momentos foi o suficiente para perceber de que não era necessário mais do que algumas bolas, com valor estimado de 5 reais, para possibilitar momentos divertidos, risadas e descobertas.

Novas propostas foram surgindo, dando mais vida para a nossa rotina diária. Músicas, brincadeiras, histórias, rodas, conversas. Atividades simples, carregadas de significados e sentimentos, que fazem parte do dia a dia da sala do Maternal.

O retorno positivo das crianças, das famílias e da equipe da escola foi fundamental, sinalizando-nos que estávamos no caminho certo; mostrando-nos que o papel da escola é ensinar a criança a brincar; a descobrir que a brincadeira está dentro dela; que ela é o elemento mais importante no brincar; que, brincando, é possível aprender muito.

O brincar criativo se constituiu em atividades na sala de aula e no “quintal” da escola. Neste brincar havia todos os elementos mágicos para uma verdadeira Brincadeira de quintal.

Estava claro o sentido do brincar criativo para as crianças, em oposição ao brincar passivo, que as deixavam presas às imagens e músicas da TV.

Com as brincadeiras de quintal, elas aprendiam a brincar com os amigos, com a terra, com a água, com brinquedos inventados, com o pé no chão, com a boca, com o corpo todo. A confecção de brinquedos, reaproveitando matérias recicláveis, envolveu as crianças em sua produção. Elas puderam experimentar o sentimento de criação e a satisfação de brincar com os brinquedos criados por elas próprias. O primeiro brinquedo foi o boliche. A pintura dos cones com guache foi um momento inesquecível.

Os pequenos estavam muito envolvidos com a pintura. Em pouco tempo, era tinta nos cabelos, nas roupas, nos sapatos, testa, orelha, para onde se olhava, havia uma obra de arte.

Em meio a tanta gostosura e folia, a única nuvenzinha que nos rondava era: “O que será que as mães dirão, quando virem as crianças assim?”

Para completar o nosso jogo de boliche, faltava uma bola, o que significava a criação de novo brinquedo: uma bola feita de meia. Mais trabalho, mais exploração: rasgar, amassar, apertar para construir a bola. Oba! Nosso boliche ficou pronto. Agora era hora de brincar!

Entre tantas atividades, não poderia faltar as cantigas de roda, as cirandas. Para animar as nossas cantorias, pensamos em confeccionar um tambor, aproveitando lata de leite e um pedaço de bambu, para servir de batuta.

Nos dias que se seguiram, foi uma animação. Os tambores passaram a acompanhar nossas cantigas de roda. Imaginem o som do batuque.

Faltava decidir como seria nossa documentação, ou seja, qual seria o suporte para guardar os momentos significativos dessas vivências. Queríamos que fosse algo que pudesse refletir a simplicidade das brincadeiras de quintal, que contasse das descobertas e aprendizagens das crianças.

Novo desafio: encontrar algo que fosse coerente com a ideia de reaproveitamento, de consumo consciente e, ao mesmo tempo, que pudesse ser feito com a participação das crianças. Optei por trabalhar com sacolas de papel que ganhamos em lojas.

Solicitamos para as famílias sacolas de papel. Desmontamos as sacolas, viramos no avesso e depois, montamos novamente. O avesso das sacolas ficou no papelão. Enviamos como tarefa para que a família e a criança pudessem decorá-la. Ficaram maravilhosas! E, dentro delas foi um objeto que representou cada momento vivido. A partir dele a criança sabia fazer referência sobre o que tinha feito.

A participação das famílias durante todo o projeto foi fundamental. A acolhida para receber e realizar as tarefas, as devolutivas, acrescentaram significados às nossas atividades.

Sabemos que é no brincar espontâneo que a criança conhece a si própria, o mundo, e constrói sua identidade. É no brincar livre que a criança aprende a existir plenamente e ser feliz.


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